O Papel do Imponderável
A clarividência me mostrou o que sabia, o que houve alguns dias depois, quando a porta se abriu e lá estava ela: olhos grandes, negros e sensuais, a boca rubra, molhada e sorridente sobre o sorriso branco e tímido, pelo reencontro. Vi os cabelos caídos sobre os ombros nus e vi a pele branca, macia, desejosa de toques suaves como ela mesma. A clarividência me mostrou silêncios, me mostrou palavras que falavam mais pelo que não diziam do que pelo que afirmavam propriamente e me mostrou o beijo.
Mas a clarividência é sujeita ao acaso. E naquele ato contínuo, já afirmado por mim de antemão, todos os elementos estavam presentes lá, quando a porta se abriu e ela disse "entra", exceto por um. A imponderabilidade, aquele que faz estarmos aqui, a cada um de nós, e não outros. Esse algo que brinca com a nossa existência e faz chegarmos ainda a tempo de pegarmos um voo fatal em um avião A330, ou nos atrasar cinco minutos, para que possamos ganhar R$ 72,00 no jogo do bicho, apostando no número 033 (cobra).
Quando a porta se abriu, eu já sabia o que fazer, mas a clarividência não me disse um detalhe. Eu era o acaso naquela hora. E por isso, em tudo o que houve em seguida, não sei se vi de antemão ou se foi apenas desejo anterior. Se soubesse isso, desvendaria um dos mistérios que consomem os homens há milânios.
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Aimery Pinot Noir, safra 2007 - Gosto bom, lembra algo como bala de framboesa, pelo leve ardor que deixa na parte de trás da língua e na pontinha. Não poderia ter escolhido vinho melhor para me queimar em paixão e, por consequência, em saudades também.
A cor do Pinot Noir, um vermelho púrpura profundo, é a mesma da boca dela, antes de eu borrar a maquiagem.
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