I
Improviso
Em meio a todo girar
De esferas
Obedientes à cadência
Desta música,
Que ouvimos sem perceber.
Desta dança,
Que dançamos,
Que somos, não os dançarinos,
Mas os próprios passos.
Improviso
Que se mantém delicadamente.
Como um solo?
Como polifonia barroca?
Se mantém e isso basta.
IINo trecho dessa música
Em que estamos,
O compositor semi-autista
Nos abençoa
Com os risos e com as lágrimas
Para dar intensidade
Às suas notas.
Para que elas sejam
Mais que tinta na pauta.
Para que sejam glorificadas.
Ainda podemos ouvir
Sons de séculos
Risos de homens simples na taverna
Na noite anterior à batalha,
Ao silêncio definitivo.
Lágrimas de grandes homens
(pessoas que reinventaram
o sentido de ser humano)
em seus fracassos cotidianos,
seus amores não correspondidos,
o luto pela mãe ou pelo filho.
Ainda estão presentes
Cada um desses sons.
Que não viraram letra de música,
Filme ou notícia.
Mesmo sem qualquer registro,
Essas melodias permanecem vibrando.
IIIEu que sou
Um pouco pretensioso,
E guardado.
Eu que sou pequeno demais
Pra carregar essa alma mesquinha
E esse coração bom,
Cheio de músicas
Que minhas mãos não sabem dizer.
Que acabam por pesar
E saem como riso ou lágrimas
Silenciosos.
Não quero conquistar o mundo,
Nem servir príncipes ou reis.
Não quero ser celebrado
Em um busto na praça,
Tão anônimo quanto eu.
O nome há de se perder no tempo,
Não em uma rua.
O nome já não importa.
Posso ser maior que essa pequenez,
Mais vivo que minha própria vida.
Mesmo sem fogos de artifício,
Eu posso.
Eu fui e posso.
Sem barulho, eu amei
Como se pode amar uma mulher
-por sorte ou destino fui amado-
Bebi do corpo dela
E aspirei cada cheiro.
Beijos eternos
Em cada um dos seios
Que ainda permanecem
Em algum lugar do tempo-espaço.
Amei como se ela fosse meu país.
Eu a percorri e cresci homem,
Fui maior que eu,
Superando a ilusão do individual,
Entrando em comunhão.
Cada palavra e cada ato
-mesmo os não ditos e feitos-
permanecem.
Como permanecem as saudades
Das mulheres anônimas dos náufragos,
E as alegrias das que foram
Abençoadas com a volta.
(Algumas obras são invisíveis
E tão sagradas
Que poucos podem ter
Acesso a elas,
Como a minha.)
IVSejam glorificados
Os que vivem em comunhão.
*só porque a Camila gostou.... e a Camila entende mais de certas coisas que eu.