Vigésimo Quinto
Desde o sêmem de meu pai até estas palavras, já se passaram 25 anos. Mais que isso. No entanto, não nasci há um quarto de século, sou de antes e serei de depois, quando 'depois' deixar de ser o jardim do vizinho e passar a ser o meu próprio - depois ainda não chegou para mim, e só me permito a suposição.
Como aquelas estrelas que já morreram, mas ainda brilham retroativamente, eu estava já por aí, dissipado, como luz, como idéia, como verdade ainda não dita brincando com uns amigos anjos que arranjei, tão divertidos quanto os de hoje. Não lembro onde de fato, só que era assim.
O sonho qualquer de um Deus autor da ópera-vida resolveu-me ser a alegria do filho caçula e do primeiro neto. O brilho nos olhos de minha irmã, que se repetiu nos meus quando minha sobrinha nasceu.
Indo além de um corpo, sou as palavras ouvidas e lidas e dadas por tios e tias, mais que as repetidas pela minha própria voz. A música ensinada e o bom gosto.
Produto da sensação de desamparo de minha avó materna ainda bebê, ao perder sua mãe, a mulher mais bela da cidade - para quem não sabe, minha avó tem uma história igual a de Cinderella, só que a madrasta não era só maldade e o príncipe era aristocrata sem reinado, numa época em que vale mais um burguês de gestos vulgares.
Sou as alegrias, o orgulho e a humildade feitosa-dias. A covardia e inteligência macambira. As desilusões e o perdão irmão da redenção ao fim, ou quem sabe ainda no segundo movimento dessa sinfonia.
Eu e esse corpo animal, que ainda não me acostumei. Que me prarece bruto de tão recheado de sensações e vontades. Olho às vezes para mim e rio, como quem ri de uma criança. Deixo que brinque, perdoando a tolice.
Não sou muito, é verdade. Tenho sido um desperdício encantador, como a lenda de uns hungaros, que sucumbiram ao destino (Quem dera, meu Deus, quem dera a beleza vencer sempre... Quem sabe em outra obra-universo, mas nessa aqui a beleza está nesse risco iminente).
Sou, não um fim em si, longe disso. Sem estar atado ao lívre-arbítrio ou sem ser somente um destino já traçado e fatalista. Eu, para além do ego e da ilusão da consciencia una e indivisivel, sou o desconhecido. Céu que se move, deitando-se e levantando-se. Eu Sou. Criação.