Já não posso te dizer nada, nem ouvir uma canção sequer contigo. Hoje, não vamos dançar, porque não há sequer mais um abraço ou algum vestígio do calor do teu corpo.
Nessas horas em que tenho que lidar com um fim inaceitável, sinto falta de uma fantasia de Reino do Céus que cultivava quando era criança, olhando a foto do menino Jesus descalço de sandálias quebradas no colo de sua Mãe. Tenho saudades dessa esperança cega e já perdida, de que vamos nos ver novamente, mas dessa vez sem necessidades ou transitoriedade.
Entretanto, tal Reino dos Céus me parece, hoje, apenas uma maquete ou uma bela gravura que causa encantamento. Não pense que me sinto gente grande por não ter essas 'ilusões'. Acho que isso só revela o quanto sou ainda pequeno pra compreender certos aspectos de estar vivo, em especial este final.
Quando nos abraçamos da última vez, falamos generalidades. Não queria te lembrar de o quanto tua leveza era insuportável ao teu próprio corpo. Queria que aquele último abraço se estendesse por horas e que não fosse em um ambiente de trabalho, que isso é lugar de preocupações mesquinhas. Não houve sequer música.
Não consegui chorar ao te ver pela última vez. E esse choro engasgado ficou se agitando aqui dentro, fazendo minhas mãos e pernas tremerem. Meu estômago teve novamente que digerir toda a dor. E tive a percepção do que nos torna como crianças diante de nossa limitação humana. Esperei que você desse ao menos um último adeus ou um sorriso. Qualquer último aceno da vida para eu ficar tranquilo, como se fosse uma criança.
Você nem sabe, mas deixou para mim, como uma herança secreta, uma coragem maior. Apesar de toda a inconformidade por eu não mais te ver, apesar de haver um adeus que não pode mais ser ouvido, sou agradecido por ter conhecido você dentre tantos seres humanos. E por aqueles próximos em comum a nós dois também, que foram um amparo para essa dor. Ao me lembrar que elas também passarão de algum modo, é como se você sussurasse em meu ouvido: "Degusta a covivência delas, com o que há de doce e de azedo, porque é exatamente isso que dá sentido a algo tão frágil e improvável quanto a vida."